Tascas


 Tascas.

Sempre olhei para a nostalgia de alguns em relação às tascas com sérias reservas pois, não foram poucas as vezes em que imbuído desse espírito de simpatia com a sua genuinidade, me dei mal.

Ou porque a comida era francamente má, ao contrário do que os amantes da genuinidade diziam ser, ou porque no serviço estava incluída a má disposição ou o alcoolismo do dono (ou empregado) da tasca em apreço ou, porque ainda a falta de higiene era omnipresente. Quanto a esta última lembro-me de uma tasca próxima do Largo do Limoeiro em Lisboa, onde apesar de a comida ser excelente, ir à casa de banho quase implicava vestir um escafandro …

Para além do mais, tendo eu crescido fora de Lisboa, vulgo província como dizem os lisboetas (nunca gostei do nome “província”, mas isso é outra história), sempre tive uma perspectiva muito pouco romântica do universo tasqueiro. Uma tasca não era bem um restaurante, era mais um local onde vingava uma população predominantemente masculina, muita meia branca e bigode, muita V5 ou Sach estacionada à porta e onde se podia comer bem ou comer mal mas em que, caso se comesse mal não valia a pena reclamar com o dono da tasca pois essa reclamação podia dar origem, no mínimo, a um chorrilho de insultos e no máximo, a uma saída rápida e coerciva do estabelecimento comercial em questão (com insultos também).

Tudo isto para dizer o quê?

Para dizer que jantei, antes da pandemia, numa tasca chamada “Pérola de São Paulo”, junto à igreja com o mesmo nome (Lisboa) não antes sem ponderar ir a uma série de restaurantes “fancy”.

Registo com agrado a simpatia do empregado, o qual apesar de quase não ter nem voz, nem dentes e de ter aquilo a que eu chamo “cara de cadastro”, foi excelente. Registei também a pose do dono da tasca o qual teria aproximadamente a minha idade. O mesmo, sem ser insultuoso, demonstrava a todos os que lá estavam que era ele o macho alfa do espaço, com poucas confianças e sempre mostrando previamente o “the eye of the tiger” à clientela (para quem viu o Rocky IV sabe do que eu estou a falar) para a pôr em respeito antes de lhe servir seja lá o que fosse.

Registei por fim a clientela com poucos estrangeiros, muitos bigodes e meias brancas (faltavam as Sach à porta), alguns grupos de malta nova e por fim, um totó (eu) e a mulher que o acompanhava. Como a minha refeição decorreu durante um jogo de futebol (Liverpool vs Roma) a mesma foi igualmente acompanhada de umas atordoadas próprias da bola e de uns comentários de bancada dignos de respeito. 

Por fim, registei a comida portuguesa típica (chocos grelhados) que me soube pela vida e a qual me trouxe à memória um vocalista de uma banda internacional (não tenho a certeza se seriam o dos Iron Maiden) que, quando lhe perguntaram sobre qual era a sua refeição favorita ele respondeu qualquer coisa como “comer sardinhas numa rua em Lisboa”.

A refeição, ao contrário do que os defensores das tascas costumam sustentar, não foi barata, tendo a conta sido emitida pelo empregado simpático sem dentes, voz e com cara de cadastro, a lápis num pedaço de folha de papel branca com uns hieróglifos enigmáticos. O dito empregado ainda tentou explicar o seu teor mas perante as minhas dificuldades de compreensão (falha minha certamente) limitei-me a fazer um ar condescendente para com o mesmo e a pagar sem bufar. Ouvi-lo foi o mesmo que tentar escutar o ar a sair de um balão mas em que o balão sofresse de asma. Foi estranho e mais valia pagar pois não me parece que reclamar servisse para alguma coisa.  

Gostei muito e quanto à conta demasiado “condimentada” não os posso criticar. Se fosse eu o tasqueiro e tivesse oportunidade de servir um cliente com uma cara como a minha também me aproveitaria (acho que a culpa deve ser da imagem que os óculos dão à minha cara mas enfim, não posso fazer nada em relação a isso …).

Valeu a pena experimentar e sim, não é que as minhas recomendações valham de muito, mas sim, recomendo.

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