Lucrécia caminha pela cidade: encontro com o açái

Friends - O Melhor Açai do Planeta 

    Ah, que bom os ginásios vão reabrir! Já estava com saudades. É nestes momentos que percebemos que a máscara tem vantagens. Desde logo, dispenso-me de sorrir tentando ser empática com uma alegria que me é indiferente. A abertura dos ginásios tem para mim interesse 000000. Não é por falta de tentativas. Já estive inscrita em ginásios, tive aulas de grupo e aulas com PT, estive na sala dos aparelhos e no estúdio de pilates, enfim … estive em todo o lado e posso dizer que não gostei de estar em lado nenhum. Nem mesmo o balneário. Nunca percebi o conceito de amigos do ginásio e parece-me sempre que tudo vai demasiado rápido para a minha velocidade natural.

Par contre, como diriam os franceses, sempre adorei caminhar. No campo, na praia, na cidade, no país ou no estrangeiro, em qualquer estação do ano, podem contar comigo para dispensar o motorista da carris e ir pela estrada fora em modo pedestre. Sozinha ou acompanhada. No primeiro caso, atenta ao sol sob as folhas das árvores, às múltiplas tonalidades de verde que estas conseguem ter, a sentir vento contra o rosto ou as pequenas gotas de chuva a caírem-me na cabeça, refrescando-me as ideias. Ou a levar uma valente molha, sem me mostrar contrariada. No segundo, em conversas sem fim, trocando ideias, estados de almas e gargalhadas (conforme o dia) com quem me acompanha. Por regra, não tenho rota pré-definida. Deixo a vida me levar, como cantam os Skank.

Este fim-de-semana, soube-me particularmente bem caminhar pela cidade. Porque estamos com a vida muito limitada, porque o tempo estava convidativo e porque notícias de Londres recordam-nos que caminhar pela cidade é ainda um risco acrescido quando se é mulher. E, no entanto, um bom passeio urbano, de dia ou de noite, tem tanto de simples, como de libertador.

Em Flâneuse – Women Walk in the City in Paris, New York, Tokyo, Venice and London, Lauren Elkin parte da premissa de que as ruas foram sempre um território tendencialmente masculino. Por regra, eram os homens quem saía livremente para ir trabalhar, mas também para ir aos cafés, aos clubes ou percorrer a cidade sem destino prévio. Claro que esta reclusão protectiva incidia sobretudo nas mulheres de classes sociais mais elevadas que apenas saíam acompanhadas quanto mais não seja de uma mulher mais velha, criada, dama de companhia ou solteirona de serviço que lhes assegurasse a virtude e, por essa via, a segurança. As mulheres pobres, incluindo as escravas, circulavam pelas ruas numa liberdade semeada de perigos. Elkin, uma americana apaixonada por Paris, narra a vida de mulheres que contrariaram esta hegemonia masculina, cruzando as suas histórias, com o passado e a geografia das cidades onde viveram. Entre as escolhidas estão Virginia Woolf, Joan Didion e Agnès Varda.

Lisboa não está neste mapa, mas devia, até porque quem por aqui caminhava nunca corria o risco de ficar com a barriga a dar horas. Na sua História Gastronómica de Lisboa, Manuel Paquete traça o retrato de uma cidade cosmopolita, onde o que hoje chamamos street food existiu desde cedo e sempre com uma certa variedade de escolha. Mesmo antes dos Descobrimentos trazerem novos sabores, a cozinha de Lisboa assentava já sobre as tradições cristã, árabe e judaica, com a inerente variedade de opções.

Hoje, Lisboa mantém-se aberta ao mundo e isso tem reflexos também na gastronomia. O copo que serve de ilustração a estas palavras tem banana, morango, granola e açaí gelado. Como já devem saber, o dito açaí é um fruto brasileiro conhecido pelas suas propriedades anti-oxidantes e que sabe maravilhosamente. Não sei se este que experimentei é o melhor do mundo, mas era seguramente muito bom. Não tinha planeado comer açaí, aliás, a vontade só surgiu depois de me ter apercebido do tamanho gigantesco do pastel de vento de banana e canela (mas eu vou-me a ele, acreditem). Iguarias brasileiras, à mão de semear. Fazem-me sentir orgulhosa de viver numa cidade onde há espaço para todos e feliz por em vez de ir ao ginásio continuar a andarilhar pelas ruas de Lisboa.

 

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