O bicho mais feio do mundo.


Escrever sobre lampreia não é fácil, tal como não é digeri-la no dia seguinte ao evento (sim, porque é de um evento que se trata) mas seja como for, há-que fazê-lo pois não deve existir nada menos “hipster” do que combinar um almoço em que este famoso bicho seja a personagem principal (como se de um filme “noir” se tratasse). E, só por isso já vale a pena prová-la, tal como escrever sobre o tema.

Começa pela aparência pois assemelha-se a algo entre … um bicho feio e … um bicho ainda mais feio. Sei que não se deve avaliar os bichos, tais como as pessoas, pelo seu aspecto mas enfim, para tudo há limites e a lampreia extrapola largamente as fronteiras de uma estética aceitável (pela negativa, claro). Aliás, cumpre perguntar como é que um bicho tão feio gera tantas paixões?

Antes ainda, há o esforço de reunir todo “um bando” capaz de comer a dita pois, nem todos o conseguem fazer. Há os desconfiados que torcem o nariz só de pensar no assunto, há os curiosos que, com mais ou menos medo, arriscam, há os apreciadores que viajam só para a provar.     

Segue-se o ritual da encomenda pois, como iguaria que é não basta chegar e pedir (tal como as melhores coisas da vida, aliás). É preciso encontrar o local certo para o fazer e, nem todos dominam essa arte. Segundo dizem os entendidos, é preciso saber prepará-la sob pena de esta se tornar intragável. Após, já aconteceu ser confrontado com o dono do restaurante o qual diz qualquer coisa como “vou falar com os pescadores, vamos a ver se eles apanham alguma coisa …”, situação essa a qual dá contornos de franca incerteza à epopeia. Na realidade, a forma como ele o disse deixou uma margem de dúvida quanto ao resultado final, mas há que aceitar o destino tal como Vasco da Gama o terá feito, certamente, ao pensar “vamos lá a ver se consigo chegar à India”.

Ainda há o vinho, ou melhor “o vinhão” pois é dessa casta que se trata. Verde tinto, fresco, a beber em malga com recomendações sérias para tomar as devidas cautelas ao manuseá-lo, como se dinamite fosse pois, tem o dom de provocar nódoas que nunca mais se conseguem tirar, como se uma medalha de mérito carimbada em vermelho vivo fosse.

Na hora, ouvem-se comentários que procuram decifrar o que se está a comer, normalmente por comparação, como aquela que se associa ao arroz de cabidela, mas em que ninguém, mas ninguém mesmo, consegue arranjar um qualificativo adequado pois, a lampreia é única e não comparável.

No mais, fica-nos o convívio ou melhor, as recordações deste nos tempos em que tal era possível e com a certeza de que, tal como Vasco da Gama chegou à India, o vamos repetir num futuro próximo e à mesa, não fosse este o melhor local para celebrar a vida e em que o repasto é apenas um alibi para nos voltarmos a encontrar celebrando, assim, o poder agregador da lampreia.

Comentários

  1. O nosso Gungunhana também não passa sem a sua lampreia sazonal ... Obrigada pela visita e pelo comentário Anabela!

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Mensagens populares