Um certo desejo de requinte
Ah,
a Primavera, Paris, um passeio pelas margens do Sena, saborear um macaron, etc,
etc oh la lá … Nops, nada disse vai acontecer este ano. Cada vez mais esta
Lucrécia sente a triste ironia daquela frase que tantas vezes aparecia nas
redes sociais Sorry but your lifestyle is out of stock. Curiosamente, por estes
tempos não tenho visto essa publicação. Talvez porque o nosso estilo de vida
foi realmente cancelado. Mas não na sua totalidade! Não se pode ir a Paris ver
os coletes amarelos e passear no Sena, mas ainda é possível comer um
macaronzinho. Já oiço os velhos do Restelo. Ah, pois, claro graças a esta
sociedade capitalista e de consumismo desenfreado podemos encontrar macarons no
supermercado. Já nada é sagrado, é tudo igual em todo o lado, não há pachorra
para esta globalização, trá lá lá, trá lá lá …
Arretez,
como se diz nos Campos Elísios! O macaron é realmente um símbolo de que somos
todos um nesta vida e de que faz sentido cantarmos em uníssono We are the world.
O
que é visto como um símbolo da França e em especial de Paris começa a sua
história num reino longínquo, onde hoje se situa a Síria. Em tempos mais
felizes para quem lá (sobre)vive foi inventada a pasta de amêndoa que deu
origem ao louzieh, nome de um primo afastado do nosso macaron. Foi a importação
de amêndoas para a península itálica que conduziu à criação da pasta de farinha
de amêndoa (e, no caso português, aqueles docinhos algarvios coloridos), com a
qual se criaram os biscoitos macaroni ou maccherone, como lhes chamavam. E como
chegam a França? Muito apreciados pela nobreza italiana, chegam aos gauleses
através de Catarina de Médicis, que para lá foi viver quando casou com Henrique
II. Por aqui se vê, se dúvidas houvesse, a importância de escolher bem com quem
nos consorciamos. Tivéssemos nós enviado uma princesa aos franceses e o mundo
inteiro andava a comer docinhos de maçapão do Algarve!
Em
França, o macaron foi-se espalhando. Talvez não veloz como o vento. Mas, pelo menos, a um
ritmo seguro. A sua comercialização a partir de 1792 deve-se às irmãs da
congregação Damas do Santíssimo Sacramento, numa curiosa semelhança com a
história do nosso pastel de nata. É que a venda deste a qualquer um do povo
também é coeva dos ventos das revoluções liberais quando as ordens
religiosas tiveram que fazer-se à vida em termos orçamentais.
Pierre
Desfontaines, primo de Louis Ernest Ladurée (fundador da casa com o mesmo nome)
teve a ideia de ligar dois macarons, decorando-os com ganaches coloridas. Completou,
assim, uma evolução que já tinha começado quando os macarons passaram a ser
servidos dois a dois, com especiarias, licores ou geleia entre eles.
De
produto reservado às bocas ditas nobres o macaron democratizou-se. Ainda assim,
há nele qualquer coisa requintada que faz com que juntamente com Mariages Frères
e Angélina, as lojas Ladurée, sejam ponto de passagem obrigatório em Paris,. Enquanto
isso não é possível, resta uma degustação por terras lusitanas. Considerando a
multidão que invadiu as esplanadas, o melhor será saboreá-los na varanda, com
um cafezinho ou um chá de menta. Ou então a rever O fabuloso destino de AméliePoulain ou A espuma dos dias. À espera de melhores ares …
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