Onde Lucrécia disputa o cognome "de paladar sensível", levanta a possibilidade de vida noutros planetas e recorda o Keanu Reeves a alta velocidade, com maior rapidez do que o tempo que leva a descascar um durian


Sabemos que entre os três autores destas pequenas pérolas de periodicidade não estabelecida, Gungunhana é o do paladar sensível e, porventura, o de estômago mais fraco. Espero que ele a a Cat me perdoem estas pequenas indiscrições. Ela, a que é a descendente dos Sforza, come sem pesar e sem peso ou remorso, tudo, a qualquer hora e em qualquer lugar. Se esta frase vos recorda qualquer coisa não é por acaso. É a frase do jingle publicitário de um dos grandes contributos norte-americanos para um mundo mais doce. Não, meninas, não são o Keanu Reeves a Sandra Bullock a apaixonarem-se ao mesmo tempo que circulam num autocarro com uma bomba. Embora confesse que o filme mudou a forma como entro em transportes públicos, passando a ver a viagem como uma potencial porta para uma aventura. Refiro-me antes aos donuts.

Este texto não é sobre donuts (embora já esteja aqui a fervilhar de ideias e de apetites). É, sim, sobre alimentos que nos chegam do estrangeiro. E isso, para nós povo feito de aventureiros e navegadores, não é nada de novo. Em Lisboa, as culturas cristã, judia e muçulmana conviveram desde a Idade Média, também do ponto de vista gastronómico. E, séculos mais tarde, quando rumamos ao desconhecido, encontrámos sabores apenas rumorejados e mesmo jamais concebidos. Por mim, estou sempre pronta a fincar o dente em paladares exóticos. O mesmo é dizer comidinhas ao gosto e paladar dos estrangeiros. Não tanto o risoto, da irritação do nosso Gungunhana. Mas coisinhas como massa min fe, pak choi, mangas, goiabada, chana masala, kimchi, les petits macarrons, castela, por exemplo. Tudo coisinhas boas. Não vou, porém, falar delas. Porque numa sociedade onde apenas se reportam sucessos, prefiro inovar e falar de fracassos. No caso, dois inesquecíveis desencontros gastronómicos. Um ocorrido em Singapura e o outro proveniente das terras de Sua Majestade Isabel II de Inglaterra.

Durian. Um nome estranho que, pelo menos a mim, me convoca para uma realidade intergaláctica. Algures no espaço, num universo paralelo, acredito que existe um planeta chamado Durian onde seres vivos perscrutam as estrelas à espera de terem notícias dos terráqueos. Como as coisas vão por aqui, Deus os proteja de tal encontro. No planeta Terra, durian é, não o nome de comprimidos para a dor de cabeça, mas de um fruto muito popular em Singapura e na Malásia. Vende-se nas ruas em pequenas doses em copos de plástico, há sumo de durian, há compota, biscoitos e rebuçados. Curiosamente, quando o estrangeiro pede um pouco de durian para experimentar tão famosa iguaria desenha-se no rosto de quem o ouve um sorriso entre o gozo e a piedade. Percebemos que o interlocutor se debate entre uma gargalhada à nossa conta e uma réstia de decência. E é então que ouvimos a frase “o melhor é experimentar em chocolate. Para o seu paladar é a forma mais suportável.” E quando, ludibriando os cuidados dos locais, conseguimos trincar um durian ao vivo e a cores percebemos porquê. O cheiro desafiante e viaja pelo ar sem necessidade de vento. E, não, não vai aparecer um desconhecido a oferecer flores. Porque durian não cheira nada a impulse. Mas não é o só o aroma que coloca desafios. Também o sabor nos faz questionar o que se passa na cabeça de quem elege esta fruta como uma sobremesa de eleição. Há coisas que se estranham e depois entranham. Mas, no meu caso, o durian nunca deixou de ser estranho. Mesmo servindo como recheio a vários tipos e marcas de chocolate à venda em qualquer supermercado local, é uma experiência a não repetir. 





      A marmite surgiu-me envolta em mistério. Apercebi-me de que vários ingleses chegavam ao ponto viajar com um frasco dela, receosos de que o país para onde iam não estivesse devidamente aprovisionado. O que será isto?, perguntei-me. Nunca lhe vi referência nos lanches de Os Cinco ou das Gémeas no Colégio de Santa Clara. Não me recordo de ser consumido por Miss Marple ou Sherlock Holmes. Num destes dias andava a passear pelos corredores do supermercado e vejo umas embalagens de marmite. Compatível com a alimentação vegana, ainda por cima. Irresistível, não é? E foi assim que dei por mim a experimentar esta especialidade inglesa feita de extracto de levedura que, na verdade, foi inventada por um cientista alemão, Justus von Liebig. Trata-se uma pasta escura, pegajosa e salgada, que pode ser usada para barrar torradas também em uso culinário, sendo rica em vitaminas e minerais. As reacções ao produto são extremas. A própria publicidade reconhece isso “love it ou leave it”. Voto na segunda opção e resta-me esperar a vinda de amigos ingleses para os surpreender com esta “iguaria” se, entretanto, não me esquecer dela no fundo do frigorífico.  Afinal, não é só o Gungunhana que traça os seus limites. 

 

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