Os pequenos prazeres de ir ao dentista ...

 


Haverá alguma coisa boa em arrancar um dente? Duas, na verdade. A primeira é a beleza da anestesia. Uma picadinha bem dada, o breve incómodo da injecção e boca, língua, lábios e gengivas ficam em estado de suspensão sensorial durante várias horas! A segunda: a terapia de recuperação, isto é, de repente ouvir o dentista a dizer-nos com um ar sério e compenetrado “bom daqui a uns quinze, vinte minutos, coma um bom gelado, está bem?” quando pensamos que não ouvimos bem o imperturbável doutor prossegue: “Ao jantar faça o mesmo, coma uma bela taça de gelado.”

Não, não é para os apanhados e não o nosso dentista não adoptou o hashtag #soquenao. É mesmo verdade. Podem dizer-me que agora que somos adultos isso pouca diferença faz. A autoridade maternal e paternal já se foi e, em bom rigor, podemos comer todos os gelados que queremos quando muito bem nos apetece. Poder, podemos. Mas não quer dizer que isso aconteça, não é? Ela há dietas, o excesso de açucares, a digestão, patatipatata e o que é um direito absolutamente natural da idade adulta (que deveria ser estendido aos mais pequenos, diga-se) – o direito a comer um gelado quando nos apetece – nem sempre se torna fácil de exercer.

E de qualquer modo, é toda uma outra experiência entrar na gelataria e começar a escolher os sabores de gelado que tomamos por prescrição médica. “É melhor levar um pouco mais de chocolate, este nervo aqui de cima está mesmo a pedir …”, pensamos de nós para nós enquanto o vendedor vai enchendo a caixa com a mesma concentração com que o farmacêutico analisa a receita médica que lhe estendemos com um ar sofrido.

Foi neste espírito que finalmente me decidi a conhecer a LucDuc Geladaria na mesmíssima semana em que visitei a farmácia do meu bairro. Tenho a felicidade de ser uma moça saudável, pelo que nunca tinha entrado na botica apesar de viver há anos a pouco mais de 100 metros. Quanto à loja de gelados já lá tinha passado várias vezes e feito vagos planos para lá excursionar. Mas, por uma razão ou por outra, não tinha ainda acontecido ainda. Como diz o povo “quem lhe dói o dente é que vai ao dentista” e, digo eu, “quem arranca o dente é que corre para a geladaria”.

A escolha entre tanta variedade de gelados poderia ser uma dificuldade, diga-se. Sabores tradicionais (como morango ou avelã) concorrem com outros mais recentes (como maracujá, leite-creme) e clássicos sempre vencedores (como o caramelo salgado). A secção vegana também apresenta desafios não despiciendos. Após alguma hesitação decidi ir ao encontro de sabores inesperados, sempre com a salvaguarda do conforto do chocolate. A este juntei gelado de romã, manga e beterraba com cereja. Tudo boas opções, a assegurar um óptimo jantar e uma recuperação at full speed como dizem os ingleses. A manga e a romã tinham exactamente o sabor dos frutos respectivos e fizeram uma excelente ligação com o chocolate. O gelado de beterraba com cereja poderá não ser para todos. Mas à medida que uma e outra colherada se iam dissolvendo na minha boca trazendo alento ao espírito que ia recuperando dos efeitos da anestesia e começava a pensar ser tempo de tomar um analgésico, o seu sabor foi-me conquistando.

No final acabei por criar uma espécie de sopa de gelado, escolhendo um bocadinho de cada um dos quatro sabores e deixando que se derretessem lentamente. Uma espécie de canja divertida.

Parece demasiado bom para ser verdade, não é? Mas olhem que não, foi mesmo assim. E tenho mais boas noticias: ainda vou ter de arrancar um outro siso. Mais jantar de gelados no horizonte!

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