Panegírico ao Tomate
Hoje falo-vos de um fruto que não tem lugar na fruteira. Não é usado como centro de mesa. Nem sei por onde começar. Ele pode ser grande, pequeno, rijo, maduro ou no ponto. Mas sejamos mais específicos, caro Leitor, pois Cat, as in Sforza, fala-vos de um dos seus frutos preferidos, que se apresenta versátil, já que se desdobra em numerosas variantes. Há cereja (ou cherry, para dar mais aquele halo de acepipe, appetizer de cocktail ou vernissage), há chucha, o magnífico coração de boi, kumato, moneymaker, Roma, Monterosa, entre tantas outras que desconheço. Há redondinhos, oblongos, ou com formas muito pouco convencionais. E nem por isso deixam de ser tomates, caro Leitor. Um fruto que se crê de origem asteca, originalmente denominado por «tomatl» e que começou a dar que falar ao chegar à Europa no séc. XVI. Finalmente, devo confessar. Pois custa-me imaginar uma vida sem bolonhesa.
Extremamente saudável, cheio de vantagens e benefícios para a saúde. Carregadinhos de antioxidantes, o elixir que todos buscamos. Até ajuda no bronzeado. A verdade é que nunca nos preocupámos tanto com estas questões como agora. Cada revista que folheamos na sala de espera do dentista, ou enquanto aguardamos a vez no cabeleireiro para a balayage, cada site de fitness que visitamos sugere-nos smoothies. Smoothies detox, smoothies anti-oxidantes, smoothies queima-gorduras e por aí adiante. Eu cá vou sucumbindo a essas tendências, que isto nunca se sabe. Pode mesmo ser tudo verdade. Agora, cada um tem direito aos seus gostos e continuo a adorar este fruto na sua versão Maria Tudor, o famoso e delicioso Bloody Mary. Não lhe podemos chamar smoothie se não exalar saúde, pois não? Ainda me recordo do tempo em que era frequente os passageiros nos vôos emborracharem-se como se não houvesse amanhã. Fosse por pânico de voar ou por tédio, ou fosse lá pelo que fosse. Era um clássico pedir um Bloody Mary a bordo, ainda que muito concentrado. Sim, que a tripulação não andava cá a esborrachar tomates naqueles corredores claustrofóbicos, em que passageiro nenhum podia sequer fazer uma tentativa furtiva de se esgueirar para o quarto de banho, ainda que o bonequinho ficasse verde pela primeira vez em quarenta minutos.
Tivesse eu algum poder e reescrevia alguns clássicos. Os irmãos Grimm que me perdoem, mas na actualidade a Branca de Neve não estaria simplesmente a ser bonita e boazinha em casa dos anões e a ocupar-se da higienização da mesma. Possivelmente estaria a fazer uma live para o Instagram a partilhar dicas de beleza com os seguidores, que isto de ser a mais bonita do mundo está longe de ser fácil e suscita sempre alguma curiosidade. Afinal todos tentamos sempre melhorar a aparência e empurrar a idade seja lá com que armas tivermos ao nosso alcance. Imaginemos uma terça feira em que a Branca de Neve, desidratada e recém-chegada do crossfit se prepara para fazer um smoothie no copo liquidificador. Cheia de pressa, obviamente, que o dia-a-dia vive-se em azáfama e ter tempo parece logo prenúncio do acometimento de um pecado capital. De repente ouve tocar à porta. Serão os suplementos que encomendou pela net? Será a saia amarela e o corpete azul com laço vermelho que encomendou na semana anterior com 15% de desconto? Os habituais dramas da actualidade. Ao abrir a porta vê uma colega de treino lá da box, um pouco invejosa, é verdade, que comprou fruta a mais e disponibilizou o excedente. Não, não as maçãs, essas tiveram a sua época. Vermelhas por fora e brancas por dentro. Fastidiosas. Há algum tempo que deixaram de ser as estrelas das dietas. Excelentes para os dentes, talvez. Mas porque não um tomate neste clássico? Sumarento, fresquinho, vermelho por dentro e por fora. Branca de Neve aceita sem desconfiar. Aceita um presente daquela coleguinha treino, bastante competitiva e de sorriso falso. Deu-se mal. O dito tomate já não estava cheio de saúde. Branca cai para o lado depois do smoothie que fez com o tomate oferecido. O resto já vocês conhecem e não me cabe a mim modificar. Simplesmente mudei a ementa.
Não nos esqueçamos ainda da expressão «Os tomates do Padre Inácio», usada para nos referirmos a algo fraudulento, falso. Expressão essa que sempre que emprego suscita olhares de julgamento. Será que conhecem a expressão? Ou acham que eu conheço mesmo um Padre chamado Inácio com demasiado pormenor? Inclino-me para a segunda opção, a avaliar pelas expressões de puro terror.
No fundo há que dar à estrela deste texto, o tomate, o devido valor. Tendo eu já escrito no passado sobre picante, o Leitor começa talvez a aperceber-se da minha obsessão pelo tom vermelho vivo, ou vermelho sangue. Sendo um fruto tão apelativo, não tem a posição de destaque que merece. É a génese do Ketchup, caro Leitor. Não pode ter vindo do outro lado do Atlântico em vão.
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