O bacalhau de Gungunhana

 


O pecado da gula torna-se ostensivo em épocas como o Natal e, como tal, nada mais resta senão … aderir ao mesmo sem complacências.

Desde já, acho razoável fazer aqui um pequeno “disclamer”, ou seja, tenho pouca pachorra para a quadra em questão, desde a música da Mariah Carey passando pelos Wham, com referência ao coro de Santo Amaro de Oeiras, às decorações de Natal e por fim, ao “Sozinho em casa”, mas assumindo que isso não é um capricho meu mas sim um mal universal vamos por partes: quando o Natal se aproxima todos, sem excepção, mergulham de cabeça num dilema terrível, ou seja, o de comer à bruta, mas por outro lado, o de lamentar as toneladas de açúcar que cada um ingere como se fosse possível manter o equilíbrio alimentar numa época como esta.  

Nesta perspectiva, e sem prejuízo das honras feitas aos doces natalícios gostaria de focar as energias litúrgicas no bom do bacalhau, o qual nunca nos deixou ficar mal, merecendo dedicatórias emocionadas de grandes artistas portugueses como o pequeno Saul, que, entretanto, cresceu, mas que, na minha humilde opinião, tinha em criança mais carisma com o seu “bacalhau quer alho” do que o George Michael em adulto com o seu “Last Christmas”.

Não percebo muito de bacalhau, mas gostaria de aderir a um workshop de escolha de bacalhau. Passo a explicar: desde miúdo que encaro aqueles homens que se deslocam às lojas da especialidade, maxime as da baixa de Lisboa, e que com um ar cientifico, conseguem discernir, entre diversas postas, lombos, rabos de bacalhau, o que é merecedor de ser servido à sua mesa daquele que só serve para decorar a loja em questão como entes carregadores de gerações de experiência acumulada. Uma espécie de magos do bacalhau.

Pode ser sugestão minha, mas, na realidade, esses indivíduos conseguem fazer um ar tão entendido enquanto olham para o bacalhau que o mesmo apenas é superável pelo pessoal que sabe escolher o melão. É o mesmo ar com que um cirurgião olha para as entranhas de um paciente ou como que um crítico de pintura decide entre o que é, ou não, merecedor de ser apelidado de arte.

Daí que, entre tantos workshops, colóquios, cursos online, seminários, com temas tão abrangentes como yoga, dança, literatura, línguas estrangeiras, sobrevivência no meio do mato, pesca desportiva, entre muitos outros, sou apologista da criação de mais um destes cursos, nomeadamente o de “escolha de bacalhau”. Aliás, poderia ser um excelente critério de selecção para o exercício de certas funções conseguindo até imaginar um formulário que contivesse a questão “Sabe escolher bacalhau?” como condição de admissibilidade a um emprego de responsabilidade (só me ocorre um emprego na regulação bancária… não sei porquê, mas enfim …).

Em suma, ainda não faço parte dessa tribo, mas tenciono esforçar-me para alcançar tal desiderato, assumindo desde já a minha preferência, e enquanto não chego lá, para o simples bacalhau cozido com couves, acompanhado de um branco encruzado do Dão, fresquinho (apesar da época).

Tudo o que ultrapassar esta receita é como o “Last Christmas” no Natal.

Já enjoa.

Boas festas.

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