Lisboa é uma cidade de humores e desamores, onde se cruzam
becos, miradouros, calçadas e escadinhas de cortar a respiração - muitas pela
sua beleza, outras tantas na verdadeira acepção da expressão. Tiram o fôlego
até ao mais bem fisicamente preparado, a não ser que as desçamos, pois aí todos
os santos ajudam, particularmente São
Pedro, nos dias em que dá o ar da sua graça.
E foi numa destas deambulações de subidas e descidas - do
Rossio ao Loreto para escorregar pela Bica até ao Cais do Sodré - que, na tentativa
de recuperar o fôlego, hidratar a alma e
a garganta em apuros, dei de caras com este café, pelo qual já passara algumas
vezes sem lhe prestar qualquer atenção. Até então, era apenas mais um café em
Lisboa, daqueles que nascem como cogumelos junto a um qualquer tronco no Jardim
Botânico.
Logo que entrei percebi que pedir uma bica e um copo de água
não se revelaria uma tarefa simples. O menu de cafés é tão vasto como uma carta
de vinhos de um bom restaurante, onde podemos degustar o melhor de cada região.
Pedir uma bica pareceu-me redutor perante um cenário destes - sacas de café,
aparelho de torrefação, filtros e chávenas diversas - e já que já estava sentada, por que não
arriscar?
Optei por um dos cafés de filtro disponíveis, o qual foi
preparado perante o meu olhar desconfiado. Qualquer chávena de “chá de café”
que a minha avó me dava em criança tinha mais cor do que o que pedira. Parecia
algo entre um chá Gorreana pouco carregado e um Werther
's Original diluído em água quente - não, nunca fiz essa
experiência, mas pela cor não deve andar muito longe…
Ao cair na chávena o aroma começou a elevar-se e não houve
mais dúvidas de que era café o que ia beber. Leve, delicado, adocicado e um
subtil toque a caramelo - eu já o
suspeitara !!!! Perante o meu espanto - e, ainda visível, ar desconfiado -
foi-me dado a provar o mesmo café numa chávena mais pequena e mais estreita, e
não é que parecia que estava a beber algo totalmente diferente? Mais forte,
mais intenso, mais cítrico e menos doce. Para onde tinha ido o caramelo? O meu
cepticismo não me permitiria acreditar nesta transformação, caso não o tivesse saboreado.
Voltarei. Com tempo. Sem a pressa de uma bica que se engole
de um trago só e deixa aquele sabor amargo no hálito que é tão bom. Tenho tanto
por descobrir no mundo dos cafés além do forte, seco, amargo, azedo, queimado
ou desenxabido.
Mas afinal que lugar é este que algumas vezes me passou ao
lado e agora mal posso esperar por lá voltar? Chama-se Baobá
e fica quase colado ao Elevador da Bica. Discreto por fora e rico
por dentro. Os grãos atravessam o Atlântico, vindos de uma fazenda
própria, no Brasil, e entram neste recanto lusitano, onde o café
pode ser um hábito, um vício ou um prazer.
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