Onde Lucrécia é surpreendida pelos talentosos doceiros austríacos ...

 

          Música no coração. Mercados de Natal. A Ópera de Viena. Sissi. Tarde de maçã. Sachertort. Eis algumas das coisas que me ocorrem quando penso na Áustria, o que não acontece com frequência, admito. Julgava eu que os austríacos e, em particular os vienenses não tinham na manga qualquer volta e reviravolta que me surpreendesse em matéria gastronómica. Ah, o orgulho, esse pecado capital! Enganei-me redondamente. Afinal, também eles têm moves inesperados. 

        A tarte de maçã que lhes dá fama e essa ode ao chocolate que é a Sachertort podem encontrar-se por toda a capital do país. São sobremesas ordeiras, clássicas, apresentadas de forma segura e previsível. São saborosas e fica-se por aí. São o que se espera dos austríacos. Por isso, quando me sentei na Demel (pastelaria em actividade desde a segunda metade do século XVIII) não estava à espera do que me apareceu à frente. Certamente sabendo que estavam perante uma digna representante do país que deu ao mundo iguarias como os doces conventuais e o  (só) aparentemente simples pastel de nata os vienenses não fizeram a coisa por menos Apresentaram-me de rajada duas sobremesas desordenadas, excessivas, feéricas e desordeiras. Enfim, pantagruélicas: kaiserschmarrn e bolinhos nougat com doce de framboesa. Aceitei o desafio, dividindo-o em dois momentos distintos. Dividir para reinar é, afinal, um velho mote que traz sucesso na gastronomia como em outras artes da vida.


Kaiserschmarn

            Kaiserschmarn (à letra “confusão do kaiser”) é assim chamado em homenagem a Franz Joseph I, marido da adorada e infeliz Sissi. Diz-se que numa ocasião em que ambos passeavam no campo deram de caras com um camponês que, sem nada para oferecer ao imperial casal, inventou esta panqueca de massa muito fofa com um pouco de açúcar que conquistou o imperador. A partir daí ganhou fama e hoje, como sobremesa ou refeição leve, pode ser encontrada em todas as pastelarias da cidade. A acompanhar com doce de ameixa ou de maçã, posso garantir que é um caminho seguro para jurar que as montanhas estão vivas com o som da música e o aroma destas panquecas nos ar. 


Homemade Nougat Dumplings

            Igualmente robustos são os bolinhos de nougat. Feitos de uma saborosa massa em forma de bola, surpreendem ainda com um suave recheio de chocolate. Apresentam-se deitados numa espessa camada de bolacha esmigalhada e polvilhados com açúcar. A acompanhar, doce de framboesa. É demais? Parece, admito. Mas o que é certo é que todos os pratos voltam limpos para a cozinha. 

            O que se bebe para acompanhar estas delícias? Pois meus confrades e dilectas amigas, bebe-se o que o coração mandar e a bolsa permitir. Chá, água aromatizada, água pura, vinho branco ou champanhe, foram algumas das escolhas que topei nas mesas dos comensais à minha volta. Estou certa de que não vos faltarão ideias e espero que não vos falte o capital para as concretizar. Por mim, para acompanhar as panquecas imperiais optei por uma limonada sem açúcar (a conjugação do amargo e do doce sempre me pareceu uma metáfora particularmente feliz sobre a existência humana) e para os bolinhos de nougat escolhi um chá de menta, uma espécie de effortless chic statement

            Creio que não envergonhei ninguém.  Uma coisa é segura, destas doces descobertas fiquei a achar que os austríacos são capazes de ser mais interessantes do que parecem à primeira vista. 

Comentários

Mensagens populares