Lucrécia na Boca do Lobo


 

Uma manhã demasiado quente, talvez. Estou sentada ao pé do coliseu de Roma, observando os turistas, os gladiadores e os soldados romanos que com eles querem tirar fotografias.  Sinto-me satisfeita por me ter levantado cedo e ter conseguido ver o coliseu quase vazio e, enquanto os outros visitantes, franqueavam a entrada daquele espaço já estar a entrar no fórum romano onde estive várias horas, até a barriga me avisar que o almoço era uma questão a ser resolvida.

Como já devem ter percebido levo a comida bastante a sério. Por isso, nunca escolho restaurantes quando estou com fome. Tal como nunca vou ao supermercado nessas condições. A fome, tal como o sono, são péssimos conselheiros. Sei isto desde criança. Ninguém mo ensinou. Está-me instalado no ADN.  É por estas e por outras que acredito na cartomante que me disse que a minha alma era antiga de séculos e que tinha atravessado continentes. Talvez isso explique o meu gosto por quimonos e por quiabo. É verdade que ela também me disse que eu ia governar um país, o que ainda não aconteceu, mas também é certo que a cortina final ainda não caiu sobre esta minha existência. Ninguém pode negar que a vida dá muitas voltas. Talvez um dia destes dê por mim governando uma qualquer ilha no Pacífico ou no Índico, com sabedoria e um menu tropical, capaz de restaurar vida aos desenganados deste mundo. 

Agora, de volta a Roma. Como uns frutos secos e umas bolachas de água e sal para retemperar o espírito, sentada à sombra de uma das poucas árvores que se vislumbram. E só depois, descansada e alimentada, é que vou procurar sítio para almoçar.

É um restaurante pequeno numa perpendicular a uma das artérias principais na zona do coliseu. La vera pizza, anuncia. Observo o menu escrito a giz numa ardósia e a dona do restaurante vem ter comigo sem pudores. Diz-me que a sua é a única pizza verdadeira da cidade, tudo o resto são invenções de tartufos para enganar turistas. Adoro pessoas confiantes, acho que o mundo seria um lugar melhor se todos acreditássemos mais em nós próprios. Sento-me à mesa e eis que ela vem e não desilude. A massa é fina e crocante e sobre ela repousa molho de tomate temperado com azeite balsâmico e basílico. Não sei se é a mais verdadeira pizza romana, mas seguramente é muito boa e próxima do original, de há muitos séculos atrás.

À semelhança da açorda alentejana ou da bruscheta, a pizza começou por ser uma refeição muito simples, mesmo uma espécie de comida de rua da antiguidade. Há relatos datados do ano de 997, sendo certo que o hábito juntar ao pão outros sabores encontra-se em tempos anteriores mesmo. Os gregos, por exemplo, colocavam no seu pão, azeite, ervas e queijo, o que também me parece uma decisão muito avisada.

A pizza moderna surgiu em Nápoles no século XVIII e a sua disseminação por todos os supermercados do mundo fica a dever-se, quer a emigração de italianos para os EUA, quer ao entusiasmo norte-americanas pela gastronomia do país em forma de bota, quando lá chegaram na II Guerra Mundial. Com a miséria que parece ser a culinária estadunidense (ao menos para o cidadão comum, entalado entre o fast-food e o nada) não custa compreender a exaltação gastronómica perante as french fries, as pizzas e outros acepipes do velho continente. Até me surpreende como ainda não existem nos supermercados do MidWest preparados para açorda em pó ou arroz doce em lata. Talvez seja pelo melhor, porque com a massificação vêm os corantes, conservantes e outros coisas que não se usavam antes (e que explicam porque motivo uma comida que é boa se torna uma aliada do colesterol e dos famigerados triglicéridos).


         Coisas que a pizza que comi há dias, também não tem, diga-se. O In Bocca Al Lupo é um restaurante lisboeta que prima pela variedade e pela frescura dos ingredientes e também pela simpatia e profissionalismo do serviço. Tem pizzas (o prato forte) para vegetarianos, não vegetarianos e veganos. Foi esta a minha opção e senti-me transportada para esse local fresco e inesperadamente silencioso onde degustei uma das melhores refeições da minha vida. Agora que não posso ir nem a Roma, nem ao In Bocca Al Lupo, resta-me deliciar-me em casa. Mas não me queixo, não por ser estóica, mas porque comi bem.
             
      Comecei com um delicioso carpaccio de courgete e daí avancei para a minha pizza com tomate, queijo vegan e basílico. 

Tudo acompanhado de um tinto maravilhoso, dando assim o necessário embalo à alma para mais uma semana de esforço e luta. No final, um quadradinho de chocolate Ombar com um café espumoso. E pronto, esta filha de Deus, está preparada para ler o plano de desconfinamento.

Comentários

Mensagens populares